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O Caos como Aliado

Quando o imprevisível deixa de ser inimigo


Na cultura ocidental, o caos costuma ser retratado como algo negativo, perigoso, indesejado. Em contextos de segurança, por exemplo, o caos é frequentemente associado a falhas operacionais, tumultos, imprevistos críticos e descontrole. Mas, sob a ótica do pensamento estratégico clássico chinês, há outra forma de olhar para esse fenômeno.


O caos, para essa tradição milenar, não é necessariamente um colapso. Ele pode ser, na verdade, uma transição. Uma mudança de fase. Um aviso de que algo precisa ser reposicionado. Quando visto com essa clareza, o caos deixa de ser um obstáculo e passa a ser um aliado estratégico.


Situações difíceis não significam necessariamente decisões ruins


Imagine uma equipe de segurança num shopping center lidando com uma pane elétrica que causa escuridão total por alguns minutos. As pessoas começam a se agitar, há boatos de arrastão, a internet cai, os rádios param de funcionar. Muitos podem se desesperar diante desse cenário, mas quem já compreende o caos como parte do fluxo natural da realidade tende a não entrar em pânico. Em vez de resistir ao que já está instalado, busca adaptar-se rapidamente, a posicionar-se estrategicamente e a atuar com presença.


A sabedoria tradicional chinesa nos ensina que não há situação boa ou ruim em si. Há apenas a situação. O julgamento do que é positivo ou negativo parte da interpretação. E quem se prepara com base nessa visão entende que não se trata de controlar o caos, mas de compreendê-lo e saber agir dentro dele.


Planejar sim, engessar jamais


Isso não quer dizer que não se deve planejar. Pelo contrário. O planejamento é fundamental. Mas ele deve funcionar como um referencial de conduta, e não como um roteiro inflexível. Quando os planos são construídos com rigidez excessiva, qualquer desvio mínimo pode desestruturar todo o sistema. Por isso, o pensamento estratégico chinês valoriza a variação e a adaptabilidade. O que se busca não é seguir um plano até o fim, mas preservar os princípios que sustentam esse plano, mesmo quando o contexto muda de forma inesperada.


Pense em um supervisor de segurança que preparou a equipe para a evacuação por uma rota específica. Mas, no momento do incêndio, essa rota está inacessível. Se o plano for seguido à risca, todos estarão em perigo. Se os princípios estiverem claros, a equipe agirá com liberdade e consciência, utilizando outra saída, preservando o propósito e adaptando a conduta.


Adversidade como espelho


A sabedoria chinesa nos convida a ver o caos como um espelho. Ele não inventa problemas. Apenas revela o quanto estávamos preparados para lidar com o inesperado. São nas situações adversas que se evidencia o nível real de presença e discernimento dos profissionais da segurança. Não basta ter o melhor uniforme, o melhor equipamento ou o protocolo mais abrangente. O essencial é ter um olhar que compreende que nenhuma situação é definitiva e que a adaptação consciente é o maior trunfo de um bom profissional.


Um vigilante que entra em uma ocorrência com alguém em surto, por exemplo, não pode se limitar ao protocolo. Ele precisa acolher o contexto, perceber o ritmo da situação, ajustar sua energia, agir com firmeza ou com suavidade, conforme o momento exige. Usando os princípios basilares do planejamento como um norteador de suas ações, principalmente diante do inédito, ou seja, do que não foi previsto. Isso não está em nenhum manual. Está na sabedoria vivida.


Não lute contra o fluxo, navegue com ele


No pensamento estratégico clássico chinês, há um princípio que diz que a água vence a rocha não por força, mas por flexibilidade e persistência, não insistência no sentido de teimosia, mas de continuar seguindo em frente sem usurpar, sem força bruta. Da mesma forma, um bom profissional de segurança não se opõe à realidade. Ele lê os sinais, reconhece as mudanças e age de forma proporcional, sem romper com os princípios que sustentam sua missão.


Diante disso, o caos não é mais um inimigo. Ele é uma oportunidade. Um chamado à inteligência. Um convite à ação lúcida. O caos, quando bem compreendido, não destrói. Ele lapida.


E talvez seja por isso que, na sabedoria tradicional chinesa, não se busca eliminar o inesperado. Busca-se estar em condições de responder a ele com dignidade, clareza e propósito.

 
 
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