Além dos 5Ds: Uma Perspectiva Estratégica Chinesa para Repensar a Segurança
- Fabio Gomes
- 6 de mai.
- 3 min de leitura
Ao falarmos sobre segurança física, é comum nos depararmos com uma matriz bastante difundida no mundo ocidental: os chamados 5Ds. Esse modelo define cinco princípios fundamentais que orientam o planejamento de proteção em ambientes como instalações críticas, empresas, centros logísticos e aeroportos. São eles:
Deter (Dissuadir)
Detect (Detectar)
Deny (Negar)
Delay (Retardar)
Defend (Defender)
Essa lógica linear, estruturada e cumulativa está profundamente enraizada no pensamento ocidental, em especial na tradição grega, onde o saber estratégico é tratado como algo racional, quantificável e previsível. Diante de uma ameaça, o objetivo é desestimulá-la, identificá-la precocemente, barrá-la com obstáculos físicos, retardar seu avanço com medidas adicionais e, por fim, oferecer resistência ativa se todas as barreiras forem vencidas.
Não se trata de um modelo ineficaz. Pelo contrário: ele é extremamente funcional em diversos contextos e baseia-se em critérios objetivos, como análise de risco, redução de probabilidades e mitigação de danos. É um pensamento que se ancora em uma visão geométrica do espaço e do tempo — o espaço precisa ser controlado; o tempo, segmentado; e a resposta, planejada com antecedência.
No entanto, ao longo dos anos, venho desenvolvendo um olhar complementar a essa lógica — um olhar inspirado no pensamento estratégico clássico chinês, que nos convida a refletir sobre a segurança de forma menos reativa e mais orientada à antecipação e transformação.
Na sabedoria tradicional chinesa, a proteção não começa com a ameaça visível, mas com a leitura do invisível. Ela parte do pressuposto de que tudo está em constante mutação e que o papel do estrategista é identificar, antes de todos, os sinais embrionários de transformação. Enquanto o modelo ocidental se estrutura para resistir a um ataque já em curso, o pensamento chinês busca agir sobre a configuração da situação — o chamado shi (勢), que representa o potencial da circunstância.
Essa diferença é fundamental.
Onde o modelo dos 5Ds busca criar barreiras para conter um risco, a abordagem chinesa procura reconfigurar o ambiente para que o risco não se manifeste. A dissuasão não se dá por presença ostensiva, mas por ambiguidade, fluidez, sutileza. A detecção não depende apenas de sensores eletrônicos, mas de percepção apurada. A negação não é necessariamente uma obstrução física, mas pode ser uma mudança de posição que esvazia a iniciativa adversária. O atraso não está no relógio, mas na desorientação provocada por uma manobra. E a defesa ideal é aquela que se torna desnecessária, porque a ameaça foi dissolvida antes de tomar forma.
Essa lógica é particularmente relevante nos tempos atuais, marcados por riscos assimétricos, ameaças de difícil previsão e ambientes onde rigidez excessiva pode se tornar vulnerabilidade. Em vez de apostarmos exclusivamente na resistência, talvez devêssemos investir mais na sensibilidade estratégica — ou seja, na capacidade de perceber o que ainda não aconteceu, mas pode acontecer, e de agir com discrição para influenciar o rumo dos acontecimentos.
Essa abordagem está presente, por exemplo, no sistema marcial chinês Ving Tsun, com o qual trabalho há décadas — inclusive em treinamentos para militares das Forças de Operações Especiais do Exército Brasileiro. Nesse contexto, a experiência simbólica é tão ou mais relevante do que a simulação realista, pois o objetivo não é apenas repetir cenários, mas expor o praticante à premência emocional do inesperado e permitir que ele aprenda a reagir a partir do vazio, da instabilidade, da variabilidade da situação.
O Ving Tsun, como expressão do pensamento estratégico chinês, nos ensina que inteligência não é acúmulo de dados, mas a capacidade de antecipar o benefício de uma situação, seja ela potencialmente favorável ou não. E estratégia é o modo como se age para explorar esse benefício — muitas vezes, sem que o outro sequer perceba que algo mudou.
Não se trata de negar o valor do modelo dos 5Ds. Pelo contrário: reconhecer sua importância é o primeiro passo para transcendê-lo. Mas a realidade contemporânea exige que saibamos mais do que dissuadir, detectar, negar, retardar e defender. Ela nos convida a ler, antecipar, adaptar, influenciar, dissolver e transformar.
Essa é a segurança como arte — não como muro, mas como movimento. Ao invés de tentar ficar mais forte do que o oponente, a ideia é identificar como enfraquecê-lo.
E talvez essa arte seja o que nos permitirá, cada vez mais, lutar sem lutar.