Como já é conhecido, Operadores de Forças Especiais são preparados para cumprir inúmeras missões, em linhas gerais envolvendo ações diretas e ações indiretas, visando objetivos operacionais e/ou estratégicos.
Normalmente, o estudo das artes marciais para estes operadores é direcionado para o emprego em situações de combate corpo-a-corpo, onde o militar se depara com um agressor e, apesar de todo seu armamento e equipamento, por alguma razão, precisa lidar corporalmente com este problema. Isso demonstra que as artes marciais são frequentemente utilizadas apenas no contexto das ações diretas, não explorando plenamente seu potencial.
Desta forma, muitas vezes, são preparadas instruções que envolvem o fortalecimento dos corpos dos operadores com a intenção de torná-los mais resistentes aos golpes de um possível adversário. Porém, sempre haverá alguém mais forte. Sendo assim, como fazer? Qual a melhor estratégia para este desafio?
Por isso, ao invés de se preocupar em ficar mais forte do que o oponente, o estudo sobre artes marciais pode aproveitar o tempo destinado a esta atividade para analisar estratégias de identificação de fraquezas da força adversa ou como tornar o agressor mais fraco. Nesse sentido, as artes marciais podem ser igualmente eficazes nas chamadas ações indiretas, onde a sutileza, o contrariar o consenso e a manipulação do ambiente e das circunstâncias desempenham papéis cruciais.
Para que isso seja possível, deve-se observar as artes marciais sob uma perspectiva ampla, permitindo que o estudo destas práticas milenares fique mais abrangente e profundo. Restringir as artes marciais somente como uma ferramenta para o confronto corporal é subutilizar seu potencial.
Ações Diretas x Ações Indiretas
Ações Diretas: são aquelas que envolvem um confronto imediato e frontal com o alvo. Por exemplo, uma operação de resgate de reféns realizada por Forças Especiais pode exigir uma incursão direta ao local onde os reféns estão sendo mantidos, utilizando força letal ou não letal para neutralizar os sequestradores. Essas operações são rápidas e visam um objetivo específico e imediato, como a captura de um líder terrorista ou a destruição de uma instalação crítica.
Ações Indiretas: são mais sutis e focam em enfraquecer o inimigo por meios menos óbvios. No contexto das Forças Especiais, essas ações podem incluir o treinamento de forças aliadas em países estrangeiros, a realização de operações psicológicas para minar a moral do adversário ou a sabotagem de infraestruturas críticas.
Algumas informações sobre o potencial das artes marciais
Ao contrário do que muitos imaginam, esportes de combate e artes marciais não possuem o mesmo significado.
Os esportes de combate, são baseados nas artes marciais, mas para sua realização precisam de regras, juiz, local adequado para a prática (ringue), iluminação apropriada, divisão por peso e sexo, horário de início e término, entre outros detalhes para garantir a segurança dos competidores e de quem irá assistir, como ocorre no Ultimate Fighting Championship (UFC), por exemplo.
As artes marciais foram criadas para estudar a luta. Na maioria das vezes, senão em todas, em uma luta prevalece a força bruta. O considerado mais forte impõe a vitória. Existe atrito e usurpação nas ações, que normalmente ocorrem de forma direta.
Para que o considerado mais fraco ou em desvantagem tenha chances de êxito, é necessária uma análise circunstancial da ameaça. As artes marciais podem ajudar neste sentido.
Muitas artes marciais de origem asiática são fundamentadas no Pensamento Estratégico Clássico Chinês, desenvolvido no Período dos Estados Combatentes, ocorrido entre os séculos V e III a.C., época anterior a unificação da China. Este Pensamento foi muito difundido por sábios e estrategistas da antiguidade, como Sun Tzu, em seu livro A Arte da Guerra.
O estudo das artes marciais, neste sentido, possibilita antecipar e explorar com sabedoria o potencial existente em uma determinada situação, a partir da interação com o adversário. Esta capacidade pode ser definida como inteligência estratégica ou "kung fu" em chinês.
O militar não precisar entrar em confronto corporal para saber se irá vencer, dependendo da situação, ele pode antecipa a certeza da vitória para depois enfrentar a força adversa. Assim, o combate não necessariamente ocorre corporalmente, outras dimensões do conflito podem ser percebidas. Ao invés de atuar diretamente sobre o agressor ou potencial agressor, o operador pode agir de maneira indireta para obter a vitória.
Não fazer nada, sem deixar que nada deixe de ser feito
A noção de não-ação ou "wu wei" em chinês, é uma forma de lidar com potenciais crises, se apoiando nas condicionantes apresentadas pela situação para o cumprimento de uma missão. Para facilitar o entendimento: um vendedor que usa a não-ação não se preocupa em vender, mas sim em entender as necessidades de seu cliente para que o mesmo possa comprar naturalmente o produto ou serviço. Um professor que age sem agir, não ensina, mas fornece condições para que seus alunos aprendam. Um médico que atua sem atuar, não cura, apenas faz com que seu paciente aprenda a não ficar doente.
Desta forma, o efeito ocorre naturalmente, como consequência. O autor pode distanciar-se de sua obra. Para o olhar menos atento ou despreparado, não houve ação alguma.
Para isso ocorrer, outro nível de relação deve ser estabelecida com o adversário. É crucial reconhecer que ele faz parte de sua existência. Rotulá-lo como "inimigo" pode ser desvantajoso, visto que normalmente as pessoas tendem a querer distância ou nutrir um sentimento de rejeição. Isso pode ocasionar em respostas equivocadas, com excesso ou escassez de força.
O oponente é apenas alguém que está do outro lado, que por alguma razão, pensa diferente. A conexão com o lado opositor deve ser estabelecida, pois é através deste contato que virão as informações necessárias para identificar a provável motivação que o está estimulando a querer ofender, agredir ou até matar.
Por isso que a inteligência estratégica (kung fu), cultivada através das artes marciais, precisa ter como base o desenvolvimento humano. O desenvolvimento humano, neste caso, não está ligado a uma questão moral ou religiosa, mas sim estratégica. O desenvolvimento humano que irá permitir antecipar os movimentos do adversário.
Essas informações normalmente não são obtidas espontânea ou verbalmente. É necessário estar atento aos sinais ínfimos de uma transformação que está por vir (indícios significantes). A atuação sobre esses sinais, quando necessário, deve ser pontual e sutil, a manipulação precisa ser apropriada e respeitar o fluxo dos acontecimentos. A usurpação não é uma opção, deve-se assumir a chamada “conduta suave”.
Na prática, como as artes marciais podem desenvolver estas habilidades e como este estudo pode ser útil nas ações indiretas das Forças Especiais?
O estudo das artes marciais, dentro deste sentido amplo de entendimento, ocorre através da experiência marcial (situações de combate corporal com progressiva imprevisibilidade) que deve ser personalizada. O corpo é utilizado como recurso didático, ou seja, ele torna-se a mídia para transmitir e perceber este processo de aprendizado. Não é algo intelectualizado, pois seria muito limitado, visto que na hora do conflito a tendência da pessoa é paralisar. São necessários outros mecanismos que vão além do intelecto.
Ao utilizar o corpo, pela experiência marcial, o militar pode perceber na prática que é possível utilizar a conduta suave mesmo em situações críticas, ou seja, acolher o outro (adversário e a situação na totalidade) é acima de tudo estratégico.
A intensidade experiência marcial pode ser intensificada ou não, vai depender da capacidade de resolução do militar, visto que ela é realizada em um ambiente protegido, em outras palavras, a pessoa não precisa se afogar para aprender a nadar.
Embora exista esta segurança, dependendo do estímulo, o cérebro da pessoa não consegue distinguir o real do simbólico. Neste processo a pessoa passa a entender que qualquer descuido representa a morte, estimulando a pessoa estar inteira durante o estudo, silenciando a mente e fazendo a essência florescer.
É natural que com isso a pessoa seja ela mesma, dificilmente ela consegue esconder suas reações. Sentimentos como raiva, medo e coragem podem surgir. Isso torna o ambiente favorável para trabalhar questões comportamentais, possibilitando que o militar estenda este conhecimento adquirido, por meio de uma aprendizagem experiencial, para outros campos de sua vida, como o seu trabalho, o que inclui as ações indiretas.
O Operador de Forças Especiais, que irá atuar como multiplicador de forças, por exemplo, pode utilizar as artes marciais como um recurso a mais para prepará-lo para estas missões, pois dentro deste sentido amplo ele será estimulado a perceber melhor o potencial apresentado pela situação, a fim conquistar corações e mentes sem usurpar, ou seja, legitimamente.
Mais do que transmitir algo novo, as artes marciais têm o potencial de refinar o que o Operador de Forças Especiais já sabe. E este refinamento pode ir além do combate corpo-a-corpo, mas a partir desta experiência marcial ele tem condições de aprimorar também muitas outras habilidades que envolvem diversas dimensões de um conflito.
É como o Patriarca Moy Yat dizia: "O sistema Ving Tsun é tão bom que serve até para lutar". Naturalmente esta fala pode se estender para os outros estilos de artes marciais.